A sétima edição do MOTELx – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa teve início no dia 11 de Setembro tendo estado em exibição até ao dia 15 no Cinema São Jorge, em Lisboa. Organizado pelo CTLX – Cineclube de Terror de Lisboa, uma associação cultural sem fins lucrativos, o MOTELx apresentou, como já vem sendo hábito, uma programação muito variada, contando com a presença de filmes de vários países. Esta diversidade permite-nos conhecer um pouco mais sobre cada cultura, particularmente no que diz respeito àquilo que se produz a nível do cinema de terror nos diferentes países, dando a oportunidade de ver filmes inéditos em Portugal.
No que concerne às curtas portuguesas, todos os anos estas competem entre si para o Prémio MOTELx – Melhor Curta de Terror Portuguesa. A curta vencedora deste ano foi “O Coveiro”, da autoria de André Gil Mata, uma produção que narra, ao luar, a história de uma criança que nasceu monstro.
O festival tem também por costume trazer a Portugal uma “lenda viva do terror”, homenageando-o e brindando o público com a oportunidade de ver os seus filmes de culto no grande ecrã. Este ano, e pela primeira vez, o MOTELx homenageou três grandes personalidades emblemáticas do cinema de terror: Tobe Hooper (Massacre no Texas); Hideo Nakata (The Ring) e, por último, a secção Lobo Mau junta-se à Cinemateca Júnior para homenagear o recentemente falecido Ray Harryhausen.
Desde de 2007 (1ª edição) que este festival tem vindo a crescer consideravelmente, sendo já visto como uma referência, principalmente por aqueles que anualmente afluem ao cinema na procura do que de melhor se fez recentemente dentro do género. Penso que se trata de um festival muito rico, com uma oferta muito diversificada, sendo uma óptima oportunidade não só para os amantes do género mas, também, para todos os curiosos em busca de novas experiências.
“Byzantium”.
Passados quase vinte anos desde da adaptação cinematográfica de “Entrevista com o vampiro” da romancista Ane Rice, Neil Jordan assinala o seu regresso ao género com o filme “Byzantium”. Um filme que à semelhança de “ Entrevista com o Vampiro” prima por uma estética sensual e provocante. O equilibro entre elegância, sensualidade e luxúria é um dos pontos fortes deste filme que se evidencia por não cair no cliché dos filmes recentes que se fazem sobre o género.
Narrado pela personagem principal Eleanor (Saoirse Ronan) que, atormentada com o peso do seu segredo, desabafa em páginas soltas que a seguir lança ao vento. Podemos aqui estabelecer um paralelismo com a personagem Louís ( Brad Pitt) de “Entrevista com o Vampiro” que, igualmente, se interroga acerca da sua transformação e consequente imortalidade, sentindo-se por isso condenado. O enredo centra-se, desta vez, em duas mulheres misteriosas, mãe e filha, ambas vampiras que, condenadas pelo seu passado conturbado procuram sobreviver num mundo que as tem, continuamente, posto à prova na sua condição não só de vampiras, mas também de mulheres. Demonstrando uma perspectiva feminina do que é ser um vampiro, este filme denuncia os preconceitos acerca da mulher e da própria maternidade. O confronto entre géneros está presente ao longo de toda a trama, com bastante incidência para a crueldade do machismo vigente no século XVIII em que a mulher não tinha quaisquer direitos ou autonomia. Até mesmo a irmandade dos vampiros é constituída exclusivamente por homens, sendo demonstrativa da sua hegemonia. É aí que começa o verdadeiro tormento das vidas de Eleanor e sua mãe Clara (Gemma Arterton) que, tendo quebrado as regras, são obrigadas a fugir e a viver à margem da sociedade.
A maternidade assume um papel de destaque na medida em que é o principal pêrndulo da relação entre as duas personagens principais. O auge da intensidade dramática revela-se no medo e na angústia de uma mãe capaz de sacrificar tudo pela sua filha. Por um lado, Eleanor sente que a sua mãe a sufoca com a sua necessidade de proteção. Por outro, ela sabe que se trata de uma bênção, pois a protecção de Clara é reveladora do seu amor incodicional, capaz de tudo para garantir a sobrevivência da filha. Também em “Entrevista com o vampiro” o sentimento de paternidade e protecção de Louís para com Claudia (Kirsten Dunst) tem um papel predonderante.
Em suma, “Byzantium” foi uma agradável e envolvente surpresa, com uma realização primorosa por parte de Neil Jordan e interpretações muito acima da média por parte do elenco.
“The Complex”.
“The Complex” ou no original “Kuroyuri danchi” é o último filme do mestre do cinema de terror japonês Hideo Nakata, conhecido por filmes como “ The Ring” e “Dark Waters”.
A história constrói-se à volta da personagem principal “Asuka” (interpretada pela actriz Atsuko Maeda), uma jovem aspirante a enfermeira, que se acabou de mudar para um novo apartamento juntamente com a sua família. Asuka cedo começa a perceber que algo de estranho se passa no bloco de apartamentos onde vive – algo que é confirmado pelas suas colegas de escola, que lhe dizem que o prédio onde vive é, supostamente, assombrado.
“The Complex” é um filme baseado numa narrativa que vai mais longe do que é habitual em filmes de terrror. A película é, em parte, uma reflexão acerca das crenças no sobrenatural e, a forma como estas influenciam a vivência na sociedade japonesa do pós-modernismo. Mostra-nos, também, a forma como a cidade e as relações que nela se estabelecem proporcionam, muitas vezes, o distanciamento entre os indivívios levando, não raras vezes, ao isolamento.
Este distanciamento das relações sociais está patente numa cena em que é retratada a morte de um idoso – que apenas é descoberto pela protagonista dias mais tarde no apartamento onde residia. Isto remete-nos para a infeliz situação do abandono de idosos, o próprio realizador na conversa que antecedeu à visualização da película, deu a entender que esta questão seria uma realidade no Japão (e também em Portugal).
O foco principal do filme é, no entanto, o sobrenatural. Em determinada altura é referido que “os fantasmas não assombram lugares, assombram a mente das pessoas” – tradução literal do que, pessoalmente, é o pedaço de diálogo mais fascinante que vi em algum tempo. Esta explicação da experiência sobrenatural como algo que nos invade a mente tem paralelo com outra temática presente no filme: a do trauma e da doença mental. A solidão que sentimos quando perdemos alguém, a dificuldade que temos em seguir com as nossas vidas, o vazio existencial são, apenas, algumas das temáticas que este filme aborda. Temáticas estas que, de certa forma, são tabu. A forma como Hideo Nakata o faz é, sem sombra de dúvida, magistral.
Em geral, é uma película bem conseguida, com uma realização ao nível do que o realizador nos tem habituado e com uma história que nos deixa pregados à tela.
Textos por: Ana Pessoa e Marco Ermidas.